Tuesday, June 19, 2007

A transcomunicação




Num dos colóquios que decorreram durante as conferências do “depois do modernismo” conheci o Ernesto de Sousa em polémica mútua (minha e dele) contra Germano Celant e companhia – o “conformismo” de Celant com o estado de coisas, deveras apo(p)caliptico (estavamos nos anos Reagan, na eminência de uma guerra de destruição total a qualquer momento) levara-o (e julgo que ao Rudy Fuchs e ao Ronald Kuspit, mas não tenho a certeza) a formar um grupo de fumadores de òpio, de tipos que assistiam tranquilamente a esta impossibilidade de novidade – restava-lhes, um pouco como na teoria crítica americana, mas em versão mole, em contentar-se com o que era peneirável de entre a selva operática dos simulacros.

A conferência está gravada pelo Cerveira Pinto – mas aonde pára? Alguém (o Ernesto de Sousa ou eu?) lançou no evento vocábulo da “transcomunicação": não sei so que pusemos nas palavras (é um termo que soma, julgo, empatia e jouissance, ou o que continua comunicando no que não ficou explicitamente dito - o entusiasmo do dizível no por-dizer), mas tudo isto vinha associado a outras noções teóricas como paradoxologia, festa, riso, etc. A versão do ernesto é esta:


«Entendi-me com o Pedro Proença durante os debates do Depois do Modernismo, por puro acaso. A certa altura estava a tentar exprimir que não me interessa a comunicação em si, mas o que vem depois, e ele disse lá de trás: transcomunicação. Quando o debate acabou ficámos a conversar.»


Os historiadores gostam de arrumar o Ernesto de Sousa como encenador e “empresário” da vanguarda nos anos 70, mas a maturidade teórica, ainda que desfazada da moda só se dá no ínicio dos anos 80, como condensação-profecia.


Nos anos 80 o Ernesto está doente e os vanguardistas mais activos passaram naturalmente para a barricada post-moderna. Apesar dos diferendos de entre estes, só o Leonel Moura nunca o abandonou, o que é louvável. O Ernesto refugiou-se no grupo da cooperativa-galeria Diferença e continuou a comissariar a Bienal de Veneza até 84.
A minha amizade resulta em grande parte de uma cumplicidade teórica. Em Janeiro de 84 a exposição homeostética “um labrego em nova iorque” fala de Ernesto o Ornitorrinco Honesto. Em 1986 a exposição do mesmo grupo chamada Continentes é-lhe dedicada, sem mais texto nenhum, sem curriculuns pessoais, etc. Ao subjectivismo neo-romantico de uns opunhamos a co-autoria, a heteronomia, a pseudonomia e o falso anonimato. Citacionismo? Sim, como em Ernesto, Lapa e Batarda.


É certo que há alguma confusão e perplexidade – as exposições do Ernesto de 1986 antes desse ouro e esse ouro dantes são grafitistas de um modo mais ou menos conceptual. Aliás, a minha exploração do “grafitismo” passaram pela influência do Ernesto. O Décalogo da exposição “atitudes litorais”, o microtexto sobre o Leonel numa exposição na Galeria Cómicos, o remake do texto da Helena Almeida para a Bienal de Veneza são belas súmulas. Dou como exemplo o parágrafo final de um texto publicado na Fenda em 82:

Que a diferença entre prática e teoria, criação e crítica, emergência do novo e identificação com as origens, abstracção e figuração, arte e anti-arte, etc., etc.... são apenas jogos elementares de linguagem, é tão conhecido e evidente como a função do acaso na guerra dos mundos, na teologia negativa. Só algumas coisas mereceriam maior referência e análise, mas fica para outra oportunidade: os binómios explosão/implosão, “regressão de enraízamento” ou vernacular/cosmopolitanismo; morte do Pai/morte do nome do Pai; a emergência do terrorismo numa sociedade altamente tecnológica, a menipeia, a paradoxologia, a sedução, a agonística, a dádiva e o potlach.


Para mim isto era excitante e vinha ao encontro de um materialismo frique e radical que não desdenha as mitologias, que gosta a sério do corpo, que procura multiplicidades e interacções, que não se envergonha de ser vernacular e cosmopolita ao mesmo tempo, para quem os processos e a vida são mais importantes que os comércios, as carreiras e as obras, e para quem a paradoxologia, a sedução, a menipeia, a dádiva e o ptlach, são modos perviligiados de trans-comunicação.

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