Tuesday, June 12, 2007

mea culpa de Cerveira


Antes falar do «mercado», quemem Lisboa, se existiu a sério, foi apenas ao nivel de galerias como a 111, devemos falar de poder, e de poder como algo estratégico. Devemos ter em conta que a ressaca post-25 de abril demorou a digerir. A morte de Sá Carneiro no desastre (ou atentado?) pôs um ponto final político e a década começa aí, ainda antes do incêndio sintomático da segunda bienal (a Lis 81) onde o que ardeu é já expressivo da «formalidade» da década de 80, em boa parte devido aos comissários internacionais. Esta bienal seria um manifesto dissimulado do grupo do Julião Sarmento, do Cerveira Pinto e do Leonel Moura. Por não ter acontecido tivemos que esperar o já tardio «depois do modernismo» como declaração unilateral e propagandística de guerra ao status quo tardo-modernista em todas as àreas. Cerveira Pinto foi, muito mais do que o Leonel Moura (mais equívoco, e mais «artista»), o teórico de cena e o gestor de recursos políticos. É o único artista que teoriza sobre a situação «lucidamente» e é também o único que não foi a correr fazer figuraçõezinhas de caracá, provávelmente porque não tinha geito para isso. Fez pintura até 1990, pelo menos - disso não se escapa. E não é um artista de «sucesso» (ou é?) - em Cerveira Pinto há demasiados sintomas de influências não-digeridas. É certo que faço estas afirmações porque nunca vi uma retrospectiva do António Cerveira Pinto - confesso que gostaria de ver! Assim como também gostaria de ver restrospectivas sem «omissões» do Cabrita Reis ou do Leonel Moura. Seria didático e honesto. Admito que me posso enganar, e quem sabe se não arrepiarei desta superficiais opiniões e poderei ler a grandeza do António Cerveira Pinto. Quando o conheci fui ,passado pouco tempo, alvo de convite para a minha primeira individual na Casa do Bocage em Setubal. Por esta e outras razões estou agradecido e não o esqueço. Cerveira Pinto distanciou-se muito mais naturalmente do que os outros da versão pífia da post-modernidade (mas não da condição post-moderna). Não sei se frequentou o Taveira (deve tê-lo feito). Foi o único que fez um mea culpa, e continua fazendo, da sua militância nalgumas causas. Ele esteve, segundo ele próprio, «metido até ao pescoço» no evento «depois do modernismo». Mas a varridela cultural nascida desse evento, por equívoca que fosse, foi salutar. Dêem-nos oportunidades de discussão frontal! Dêem-nos polémicas, temas controversos, etc. No plano teórico das artes os textos de Cerveira Pinto são os únicos que se debateram com questões estéticas que não são «particulares», que são política e filosofia. Um livro como «o lugar da arte», publicado em 1989, mostra as contradições da década exemplarmente, porque problematiza os seus prossupostos, mostrando compromissos e ferozes (auto)críticas. Os textos do Cerveira, tal como o de muitos autores conceptuais (como Kosuth), têm a defeciência de, sob o ponto de vista da filosofia académica, abundarem em equívocos, confusões interpretativas, abduções exageradas - mas é isso que os torna indispensáveis, porque a nenhuma lucidez é verdadeiramente lúcida, e a vontade de gerir o efeito teórico leva, neste caso, a canalizar as energias críticas para o art world. O problema é que não houve «respostas» sérias ao esforço critico de Cerveira Pinto - o que foi proposto como discussão (bastante polémica) não encontrou nem respostas visiveis (que me lembre) nem interferiu em artes alheias, mas apenas resposta superficiais, ao lado. Na década anterior o Ernesto de Souza ainda tinha a resistência arcaica e espaço para polémicazinhas, embora pobres. A continuada ausência de um «criticismo» vivo tem levado o meio português, desde Pessoa, à heteronomia, ao amochamento, e ao lamento, quer no estilo agressivo do marginalizado/monstro de feira (à Luiz Pacheco - neste caso voluntário), quer no conformismo melancólico. Cerveira Pinto, no ínicio dos anos 80 era um «marginal» com algum peso institucional - a sua vocação é politicamente institucional. Hoje foi marginalizado pelos institucionais, novos ou velhos, ou marginalizou-se a ele mesmo. Os anos 90 podiam ter-lhe dado os bifes, os bifes que o Azeredo Perdigão deu ao Augusto França (é uma história que o Cerveira gosta de contar). Esta década também já está virada para o fim. Resta-lhe a polémica on-line, em surdina. Esperemos que volte à carga, impiedosamente, como sempre, mas trazendo consigo um pasto teórico que nos faça bulir efectivamente, assim como ao establishment.

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