Friday, August 29, 2008

CABRITA REIS - AFORISMOS (1987)

DA LUZ COMO NA NOITE




CRIA À TUA RODA UMA TEIA DE CONTRADIÇÕES. NÃO RECEIES. POIS OS RETRATOS NUNCA SAIRÃO DESFOCADOS.

SE UMA TELA BRANCA TE INIBE COMPRA OUTRA.PINTA DEPOIS AS DUAS AO MESMO TEMPO.

NUNCA JUSTIFIQUES UMA OBRA. DEVERÁS ANTES FAZER OUTRA OUE LHE SEJA CONTRÁRIA.

TENTA DESCOBRIR NAS OBRAS DO PASSADO A EVIDÊNCIA DA ARTE CONTEMPORÂNEA.

AFORISMOS SÃO MERAS BANALIDADES PARA USO DE QUEM AS ESCREVE. FAZ OS TEUS PRÓPRIOS.

CLARO QUE SÓ DEVERÁS ASPIRAR À GENIALIDADE. MAS NUNCA TERÁS SOBRE ISSO QUALQUER PODER.

NÃO DEVERIAS RECEAR CONSIDERAR-TE ENTRE OS MELHORES. NOS MUSEUS SÓ ENCONTRARÁS OS QUE PENSAVAM ASSIM.

CONHECI ALGUMAS PESSOAS QUE TINHAM RAZÕES. NUNCA CHEGUEI A PERCEBER SE ACREDITAVAM NO QUE FAZIAM.

PEGA NUMA PEDRA E ASSINA-A. VERÁS DEPOIS COMO ESSE É TAMBÉM UM GESTO CANSADO.
DESCOBRIMOS POR VEZES ESTRANHOS, PARECIDOS COM GRANDES AMIGOS QUE TIVEMOS...

SE ESTÁS A PINTAR, É SEMPRE UM BOM EXERCÍCIO PARAR E PENSAR SE SERÁ MELHOR MOSTRAR A PALETA OU O QUADRO.

EXPERIMENTA NÃO TER QUALQUER PRECONCEITO CONTRA A ESTUPIDEZ. TALVEZ JÁ NÃO ACHES CERTAS PESSOAS TÃO INTELIGENTES.

CRIAR NUNCA É UM ACTO DEFINITIVO: A INTENÇÃO DE CRIAR TALVEZ.

FAZ SEMPRE OBRAS DE ARTE À MANEIRA DOS MESTRES. É O CAMINHO MAIS RÁPIDO PARA TE ESQUECERES DELES.

NÃO TE PREDISPONHAS AO SOFRIMENTO SE ALGO QUE FIZESTE NÃO RESULTOU. DESTRÓI. SERÃO SEMPRE GESTOS TEUS.

CONTA UMA HISTORIA. DESENHA UMA LINHA. MARCA UM PONTO. NADA DISTO É TÃO FÁCIL COMO PARECE.

VÊM TER CONTIGO PESSOAS QUE PRETENDEM FALAR DO TEU TRABALHO. DEVERÁS SEMPRE ESFORÇAR-TE POR SER GENTIL COM ELAS...

NADA É SAGRADO. O TERROR DESTA SIMPLICIDADE FAZ NASCER O ESPÍRITO RELIGIOSO.

CONHECI PESSOAS DE EXTREMA SENSIBILIDADE RODEADAS DOS MAIS BELOS OBJECTOS. JÁ NÃO ME LEMBRO DOS SEUS NOMES.

FAZ SEMPRE O QUE TE APETECER. A NECESSIDADE QUE OS OUTROS TÊM DE SE MOSTRAR INTERESSANTES FARÁ DISSO UM ESTILO.

A VIDA DOS GRANDES ARTISTAS AMARELECE COM O TEMPO.

QUEM É QUE JULGAS QUE ÉS?

AS BOAS IDEIAS DE NADA SERVEM. QUANDO ESTIVERES A PINTAR OU A DESENHAR, ESTARÁS A PINTAR OU A DESENHAR.

HÁ SEMPRE GENTE DE MAIS. TALVEZ ISSO FAÇA COM QUE TE OIÇAS TÃO MAL.

DIZ BANALIDADES. A BANALIDADE DOS OUTROS TRANSFORMARÁ ISSO EM SUBTIS OU ESCANDALOSAS AFIRMAÇÕES DE INTELIGÊNCIA.

EM ARTE A QUESTÃO NÃO É O QUE VIRÁ A SER. É O JÁ TER SIDO.

NÃO TE INCOMODES SE ALGUÉM TE DISSER PODER FAZER O QUE TU FAZES. NÃO CHEGARIA SEQUER A SER UMA CÓPIA.

NUNCA PODERÁS SER COMPREENDIDO POR TODA A GENTE. FAZ ENTÃO O QUE QUISERES.

APENAS OS POBRES DE ESPÍRITO RECORDAM AS FRASES FEITAS.

Tuesday, June 26, 2007

«neo-expressionismo»


O ernesto de sousa escreveu repetidamente nos anos 80 coisas como esta: «toda a arte é mais ou menos conceptual». Òbviamente que muita da arte produzida nesta década não é mais nem menos conceptual, pura e simplesmente passa ao lado, enquanto muita da arte com um ar neo-expressionista estava muito mais próxima de problemas e questões «duras» que vinham da arte conceptual e seus sucedâneos do que alguns artistas que se mantiveram fieis às «vanguardas». Porém o Ernesto de Sousa tinha razão ao insistir no «mais ou menos», dando um ar de complexidade e alguma moleza ao que antes eram questões «radicais».O final dos anos 70 já fora suficientemente mole. O neo-expressionismo foi a solução «fácil» que traduzia a ângustia apocaliptica da època. Mas se examinarmos o percurso da maior parte dos protagonistas deste periodo, incluindo até artistas mais assumidamente líricos como o Pedro Casqueiro a observação do Ernesto de Sousa é pertinente - trata-se de artistas «mais ou menos conceptuais» que ou passaram pela pintura (a correr?), ou gostam mesmo de pintar, ou têm dificuldade em livrar-se dos meios tradicionais, ou ainda porque consideram que a pintura é uma forma de resistência a tecnologias expropriantes. Ou que há coisas que só se podem dizer em pintura, assim como há outras que só se podem dizer fora dela. A arte ainda pode «salvar» o mundo, como o pretendia Joseph Beuys e tantos outros? Não sei! Mas a arte é a forma de que a nossa experiencia no mundo seja mais fecunda e complexa - uma «salvação» indefenitiva e inacabante. Assim o neo-expressionismo foi a oportunidade de chamar a atenção para inúmeros temas a que não somos alheios, com muitas piscadelas de olhos ao paleolítico - isto é, ao que em nós se mantém biológicamente «menos artificial». O que não sei se é uma virtude...

Tuesday, June 19, 2007

A transcomunicação




Num dos colóquios que decorreram durante as conferências do “depois do modernismo” conheci o Ernesto de Sousa em polémica mútua (minha e dele) contra Germano Celant e companhia – o “conformismo” de Celant com o estado de coisas, deveras apo(p)caliptico (estavamos nos anos Reagan, na eminência de uma guerra de destruição total a qualquer momento) levara-o (e julgo que ao Rudy Fuchs e ao Ronald Kuspit, mas não tenho a certeza) a formar um grupo de fumadores de òpio, de tipos que assistiam tranquilamente a esta impossibilidade de novidade – restava-lhes, um pouco como na teoria crítica americana, mas em versão mole, em contentar-se com o que era peneirável de entre a selva operática dos simulacros.

A conferência está gravada pelo Cerveira Pinto – mas aonde pára? Alguém (o Ernesto de Sousa ou eu?) lançou no evento vocábulo da “transcomunicação": não sei so que pusemos nas palavras (é um termo que soma, julgo, empatia e jouissance, ou o que continua comunicando no que não ficou explicitamente dito - o entusiasmo do dizível no por-dizer), mas tudo isto vinha associado a outras noções teóricas como paradoxologia, festa, riso, etc. A versão do ernesto é esta:


«Entendi-me com o Pedro Proença durante os debates do Depois do Modernismo, por puro acaso. A certa altura estava a tentar exprimir que não me interessa a comunicação em si, mas o que vem depois, e ele disse lá de trás: transcomunicação. Quando o debate acabou ficámos a conversar.»


Os historiadores gostam de arrumar o Ernesto de Sousa como encenador e “empresário” da vanguarda nos anos 70, mas a maturidade teórica, ainda que desfazada da moda só se dá no ínicio dos anos 80, como condensação-profecia.


Nos anos 80 o Ernesto está doente e os vanguardistas mais activos passaram naturalmente para a barricada post-moderna. Apesar dos diferendos de entre estes, só o Leonel Moura nunca o abandonou, o que é louvável. O Ernesto refugiou-se no grupo da cooperativa-galeria Diferença e continuou a comissariar a Bienal de Veneza até 84.
A minha amizade resulta em grande parte de uma cumplicidade teórica. Em Janeiro de 84 a exposição homeostética “um labrego em nova iorque” fala de Ernesto o Ornitorrinco Honesto. Em 1986 a exposição do mesmo grupo chamada Continentes é-lhe dedicada, sem mais texto nenhum, sem curriculuns pessoais, etc. Ao subjectivismo neo-romantico de uns opunhamos a co-autoria, a heteronomia, a pseudonomia e o falso anonimato. Citacionismo? Sim, como em Ernesto, Lapa e Batarda.


É certo que há alguma confusão e perplexidade – as exposições do Ernesto de 1986 antes desse ouro e esse ouro dantes são grafitistas de um modo mais ou menos conceptual. Aliás, a minha exploração do “grafitismo” passaram pela influência do Ernesto. O Décalogo da exposição “atitudes litorais”, o microtexto sobre o Leonel numa exposição na Galeria Cómicos, o remake do texto da Helena Almeida para a Bienal de Veneza são belas súmulas. Dou como exemplo o parágrafo final de um texto publicado na Fenda em 82:

Que a diferença entre prática e teoria, criação e crítica, emergência do novo e identificação com as origens, abstracção e figuração, arte e anti-arte, etc., etc.... são apenas jogos elementares de linguagem, é tão conhecido e evidente como a função do acaso na guerra dos mundos, na teologia negativa. Só algumas coisas mereceriam maior referência e análise, mas fica para outra oportunidade: os binómios explosão/implosão, “regressão de enraízamento” ou vernacular/cosmopolitanismo; morte do Pai/morte do nome do Pai; a emergência do terrorismo numa sociedade altamente tecnológica, a menipeia, a paradoxologia, a sedução, a agonística, a dádiva e o potlach.


Para mim isto era excitante e vinha ao encontro de um materialismo frique e radical que não desdenha as mitologias, que gosta a sério do corpo, que procura multiplicidades e interacções, que não se envergonha de ser vernacular e cosmopolita ao mesmo tempo, para quem os processos e a vida são mais importantes que os comércios, as carreiras e as obras, e para quem a paradoxologia, a sedução, a menipeia, a dádiva e o ptlach, são modos perviligiados de trans-comunicação.

Monday, June 18, 2007

atitudes litorais


Em 1984 o José Miranda Justo, professor na universidade de letras (e também pintor) e conecedor quer da estética romantica alemã, quer de Derrida, organizou uma exposição sobre as relações entre o linguistico e o pictórico, assim como uma série de conferências onde o tema seria discutido. Não possuo o catálogo, mas coleccionei os textos das conferências de Àlvaro Lapa, Fernando Belo e Pedro Cabrita Reis. O de Lapa é um texto belíssimo. O de Pedro Cabrita é um texto emblemático a todos os níveis - extenso, fluente, estonteante, etc. É um texto que não se acompanha conceptualmente, porque não é a isso que se destinava - traduz mais que qualquer outro texto o «rumor teórico» da época de uma forma irónica que é assinalada no fim pelo autor:


«Terminariamos recordando com a mesma candura hipócrita com que este texto foi pronunciado, que ele se foi construindo usando apenas como pretexto e território possível aquele outro, não seu congénere – porque nada o é em relação a coisa alguma – que aparece a abrir o catálogo desta exposição. Aleatóriamente, ou simplesmente ao acaso da ironia, ou disfrutando da intencionalidade, se foram encadeando as palavras e as frases inteiras respigadas a esmo. Blague irrisória que reivindica a sua própria destruição, aquele prazer inelutável que são as armadilhas do texto ou se quiserem a impossibilidade de ele significar algo mais que não seja precisamente aquilo que nele se não encontra escrito, relegando também para um lugar não oceânico a compreensão desta avareza significativa que são as palavras.»


«Nem sequer foi o lugar dum absurdo porque nem se propunha a uma dimensão quase trágica, e muito à superfície pode ficar dito que apenas se pretendeu rever, provocatóriamente, na impossibilidade que qualquer texto controi face a qualquer objecto pictórico. Restava ao seu autor o alibi quase autofágico de que tudo isto não passasse de uma justificação da sua própria pintura. Impossível, posto que está sob o olhar atento de toda a pintura desde sempre.»


Cabrita íniciou a intervenção segundo o lema de que «o que se pode dizer nunca se pode ver» - a sua posição é quase sempre clara no sentido de que nem as imagens podem dizer as palavras nem o oposto - opção anti-platónica e anti-conceptualista que tem rigorosamente mantido.


Na mesma mesa Lapa, que falava em incursões no insignificante temporário, habituou-nos a uma atitute, também «litoral», mais próxima da minha, o alegorismo (a mão fugiu-me e escrevi «alegrismo», o que não é muito diferente), isto é, as linguagens coexistem e contaminam-se, e as (suas)obras de arte são menos o que se vê e o que se pode ou não dizer, e mais o clima, a interface, entre o vêr e o dizer - é um caso particular que pode «recuperar» muitos aspectos da arte conceptual, e que num sentido embora distinto os post-modernistas americanos, partindo do livro de Benjamin sobre o drama barroco, utilizaram como dispositivo assumido. Não é o «alegorismo» antigo, mas é um alegorismo que recupera a noção duchampiana de aparência alegórica. O olhar não se consegue livrar nem do que se diz, nem das leituras.


A posição de Cabrita é exemplar, e é sobre ela que «inconscientemente» têm glosado os seus apresentadores - é a visualidade descondicionada de estados excepcionais, anterior às palavras e aos conceitos.


Almada Negreiros escreveu que «dos grunhidos pânicos ao nome das coisas o homem deixou escapar algo de essêncial» - acho que esta frase, que fala sobre o não-dito, o indizível ou algo parecido faz parte desse canone do «apofático» de que Derrida um pouco mais tarde veio a sistematizar.

volte-face e maniqueismo


O post-modernismo de Jameson, Crimp e Hal Foster opôs-se ao post-modernismo conservador que grassava como corrente dominante quer na europa quer nos estados unidos - produto típico das universidades americanas, os artistas robusteciam-se em teorias neo-marxistas que conjugavam algumas teorias de walter benjamin com braudillard, arrastando consigo num caldo knorr todos os post-estruturalistas - barthes, lacan, foucault, etc.
Destacando-se dos velhos conceptuais, cujo paradigma «desmaterializador» e alicerçado na filosofia analítica já há muito entrara em declinio, estes rapazes iniciaram um ciclo inicialmente «simulacionista» que já se arrasta há quase três decadas com nuances muito diversas, e que partindo de uma crítica do mercado e dos média se tornou um pouco como o glamour auto-crítico do mercado, explorando medias menos físicos.
O regressos dos cães de fila da arte conceptual/povera já se tinha iniciado na Europa em 1985, e os portugueses tiveram a oportunidade de no ínicio de 1987 ver uma excelente exposição de Haley, Koons, Kruger, Levine e outros durante a Arco em Madrid. O meu colega Pedro Portugal socumbiu da forma mais natural aos seus efeitos. Em 1988 Jeff Koons era já o mais popular artista do mundo - os coleccionadores começaram a desfazer-se da pintura.


É bom citar Foster, há um fundo de verdade nas suas teorias, mas também é maquiavélico e simplista na forma como divide as àguas e como desfaz criticamente os «post-modernistas conservadores»:


«O post-modernismo neo-conservador é o mais conhecido dos dois: define-se principalmente em termos estilisticos - ele opõe-se ao modernismo, reduzido à pior imagem formalista, através de um regresso à narração, ao ornamento, e à figura. Esta posição é frequentemente uma reacção que não se reduz a um aspecto estilistico - uma vez que o regresso à História (a tradição humanista) e o regresso ao sujeito (o artista/arquitecto como autor) são proclamados na mesma ocasião. O post-modernismo post-estruturalista, por seu lado, supõe a «morte do homem», não somente enquanto criador original de artefactos únicos, mas também como sujeito da representação e da História.»


Em Portugal, paradoxalmente, o post-modernismo surje como desenvolvimento natural do post-estruturalismo, conjugado com a estética de recepção de Jauss, o desconstrutivismo de derrida, etc. Mas havia no ar um «rumor teórico» que apostava na tradição do mutismo do sublime kantiano à luz de Derrida , Wittegenstein e Nietzsche - as noções de «resto» , de «margem» , de «indizível», de «indicidível», de «vago», de «paradigma», de «local e global», deram origem a cozinhados bastante poéticos e equívocos, por vezes acasalados com um heideggarianismo de rés-do-chão. Os textos acabam por ser interessantes porque insistem teóricamente na relativa impotência da teoria e porque apresentam, numa caracteristica tipicamente bhartesiana, as obras de arte como o que resiste poéticamente à domesticação quer pelas regras da linguagem ( o famoso cliché de que a linguagem é fascista) quer pelos espartilhos teóricos. Além do mais a ressaca da política revolucionária cansara o meio cultural de noções então estereotipadas como a de «vanguarda».
Veremos nos seguintes posts alguns exemplos do criticismo impressionista e da tendência lirica. Como artista que se preocupou teoricamente com as questões da representação e ornamento nunca me vi no campo do subjectivismo e lirismo, nem em nenhuma espécie de glorificação romantica do que quer que seja - algum passadismo? Sim senhor! Primitivismo? Claro! Orientalismo! Certo! Mas todas essas questões deveram ser colocadas no mesmo pé do neo-popismo, como aspectos contraditórios, confluentes e post-post coloniais de um devir de heterógenias contingências.

Tuesday, June 12, 2007

mea culpa de Cerveira


Antes falar do «mercado», quemem Lisboa, se existiu a sério, foi apenas ao nivel de galerias como a 111, devemos falar de poder, e de poder como algo estratégico. Devemos ter em conta que a ressaca post-25 de abril demorou a digerir. A morte de Sá Carneiro no desastre (ou atentado?) pôs um ponto final político e a década começa aí, ainda antes do incêndio sintomático da segunda bienal (a Lis 81) onde o que ardeu é já expressivo da «formalidade» da década de 80, em boa parte devido aos comissários internacionais. Esta bienal seria um manifesto dissimulado do grupo do Julião Sarmento, do Cerveira Pinto e do Leonel Moura. Por não ter acontecido tivemos que esperar o já tardio «depois do modernismo» como declaração unilateral e propagandística de guerra ao status quo tardo-modernista em todas as àreas. Cerveira Pinto foi, muito mais do que o Leonel Moura (mais equívoco, e mais «artista»), o teórico de cena e o gestor de recursos políticos. É o único artista que teoriza sobre a situação «lucidamente» e é também o único que não foi a correr fazer figuraçõezinhas de caracá, provávelmente porque não tinha geito para isso. Fez pintura até 1990, pelo menos - disso não se escapa. E não é um artista de «sucesso» (ou é?) - em Cerveira Pinto há demasiados sintomas de influências não-digeridas. É certo que faço estas afirmações porque nunca vi uma retrospectiva do António Cerveira Pinto - confesso que gostaria de ver! Assim como também gostaria de ver restrospectivas sem «omissões» do Cabrita Reis ou do Leonel Moura. Seria didático e honesto. Admito que me posso enganar, e quem sabe se não arrepiarei desta superficiais opiniões e poderei ler a grandeza do António Cerveira Pinto. Quando o conheci fui ,passado pouco tempo, alvo de convite para a minha primeira individual na Casa do Bocage em Setubal. Por esta e outras razões estou agradecido e não o esqueço. Cerveira Pinto distanciou-se muito mais naturalmente do que os outros da versão pífia da post-modernidade (mas não da condição post-moderna). Não sei se frequentou o Taveira (deve tê-lo feito). Foi o único que fez um mea culpa, e continua fazendo, da sua militância nalgumas causas. Ele esteve, segundo ele próprio, «metido até ao pescoço» no evento «depois do modernismo». Mas a varridela cultural nascida desse evento, por equívoca que fosse, foi salutar. Dêem-nos oportunidades de discussão frontal! Dêem-nos polémicas, temas controversos, etc. No plano teórico das artes os textos de Cerveira Pinto são os únicos que se debateram com questões estéticas que não são «particulares», que são política e filosofia. Um livro como «o lugar da arte», publicado em 1989, mostra as contradições da década exemplarmente, porque problematiza os seus prossupostos, mostrando compromissos e ferozes (auto)críticas. Os textos do Cerveira, tal como o de muitos autores conceptuais (como Kosuth), têm a defeciência de, sob o ponto de vista da filosofia académica, abundarem em equívocos, confusões interpretativas, abduções exageradas - mas é isso que os torna indispensáveis, porque a nenhuma lucidez é verdadeiramente lúcida, e a vontade de gerir o efeito teórico leva, neste caso, a canalizar as energias críticas para o art world. O problema é que não houve «respostas» sérias ao esforço critico de Cerveira Pinto - o que foi proposto como discussão (bastante polémica) não encontrou nem respostas visiveis (que me lembre) nem interferiu em artes alheias, mas apenas resposta superficiais, ao lado. Na década anterior o Ernesto de Souza ainda tinha a resistência arcaica e espaço para polémicazinhas, embora pobres. A continuada ausência de um «criticismo» vivo tem levado o meio português, desde Pessoa, à heteronomia, ao amochamento, e ao lamento, quer no estilo agressivo do marginalizado/monstro de feira (à Luiz Pacheco - neste caso voluntário), quer no conformismo melancólico. Cerveira Pinto, no ínicio dos anos 80 era um «marginal» com algum peso institucional - a sua vocação é politicamente institucional. Hoje foi marginalizado pelos institucionais, novos ou velhos, ou marginalizou-se a ele mesmo. Os anos 90 podiam ter-lhe dado os bifes, os bifes que o Azeredo Perdigão deu ao Augusto França (é uma história que o Cerveira gosta de contar). Esta década também já está virada para o fim. Resta-lhe a polémica on-line, em surdina. Esperemos que volte à carga, impiedosamente, como sempre, mas trazendo consigo um pasto teórico que nos faça bulir efectivamente, assim como ao establishment.

Tuesday, March 27, 2007

as filosofias dos 80 (o último futuro )


Em Portugal o grande divulgador e camaleão filosófico foi o Eduardo Prado Coelho - o seu livro o «Os Universos da Crítica» é o espelho das teorias que circulavam no ínicio da década pelo mundo fora. Mas antes da emergência mediática do post-modernismo, cujo fulcro é a exposição com o mesmo nome em ínicios de 1983, ainda flutuavam os velhos nomes dos anos 70: Eco, Barthes, Levy-Strauss, e o Foucault dos livros sobre a Sexualidade na Grécia. A Morte de Barthes e Foucault, autores mediáticos, fez com que o focus caísse no livro-relatório do filósofo Lyotard, um especialista em assuntos de estética. O optimismo do livro, a insistência na tecnologia, na performatividade e nos paradoxos fizeram com que este livro fosse o livro polémico da década, servindo de pretexto para atacar as velhas práticas «legitimadoras» do dito modernismo. Simultaneamente estava na moda o debate em torno da questão dos paradigmas e dos cortes/transições na epistemologia ciêntifica , um debate já antigo iniciado por Kuhn, Popper e continuado Por Lakatos, Feyerabend e outros. No dominio da estética tinha-se imposto a estética de recepção de Jauss, uma construção teórica anti-adorniana centrada nas respostas «críticas» às obras de arte (mais do que na «teoria» pura) - um pouco na continuidade de Barthes e em paralelo com Derrida. Frequentava-se também (ou citava-se pretenciosamente) a teoria das catástrofes, uma teoria matemática que apresentava uma topologia dinâmica. O titulo da teoria, uma vez mais, era o espelho do catastrofismo da década, com a sombra permanente de uma eventual guerra nuclear. Falava-se de objectos fractais, etc. Finalmente os neo-heideggerianos, com Vatimmo à frente. Mas Heidegger era uma praga até a denuncia do seu nazismo essencial documentado por um espanhol (Victor Faria? Ou seria latino-americano?).
A segunda parte da década, orientou-se inicialmente por Habermas (a partir de 85) e a sua teoria de que se tinha que completar a modernidade - um projecto filosófico e social inacabado. Baudrillard, como teórico da sedução, do triunfo dos simulacros e do desaparecimento da arte fez furor, como justificador do «simulacionismo» e outros derivados. Os neo-benjaminianos amercericanos, sobretudo o grupo October (uma salada filosófica com ingredientes franceses), adoraram-no, e foram extremamente influentes nas artes. Deleuze publica entretanto um livro sobre Leibnitz que põe o barroco na moda. As teorias do caos estão na ordem do dia.
Os anos 90 iriam bater à porta com o regresso aos situacionistas - em versão de «radicalismo» de consumo. As questões deslocar-se-iam para as teorias do corpo e do consumismo de uma forma desesperada. O futuro post-moderno não teve futuro senão como drama dos excessos do consumo tecnológico.