Tuesday, March 27, 2007

as filosofias dos 80 (o último futuro )


Em Portugal o grande divulgador e camaleão filosófico foi o Eduardo Prado Coelho - o seu livro o «Os Universos da Crítica» é o espelho das teorias que circulavam no ínicio da década pelo mundo fora. Mas antes da emergência mediática do post-modernismo, cujo fulcro é a exposição com o mesmo nome em ínicios de 1983, ainda flutuavam os velhos nomes dos anos 70: Eco, Barthes, Levy-Strauss, e o Foucault dos livros sobre a Sexualidade na Grécia. A Morte de Barthes e Foucault, autores mediáticos, fez com que o focus caísse no livro-relatório do filósofo Lyotard, um especialista em assuntos de estética. O optimismo do livro, a insistência na tecnologia, na performatividade e nos paradoxos fizeram com que este livro fosse o livro polémico da década, servindo de pretexto para atacar as velhas práticas «legitimadoras» do dito modernismo. Simultaneamente estava na moda o debate em torno da questão dos paradigmas e dos cortes/transições na epistemologia ciêntifica , um debate já antigo iniciado por Kuhn, Popper e continuado Por Lakatos, Feyerabend e outros. No dominio da estética tinha-se imposto a estética de recepção de Jauss, uma construção teórica anti-adorniana centrada nas respostas «críticas» às obras de arte (mais do que na «teoria» pura) - um pouco na continuidade de Barthes e em paralelo com Derrida. Frequentava-se também (ou citava-se pretenciosamente) a teoria das catástrofes, uma teoria matemática que apresentava uma topologia dinâmica. O titulo da teoria, uma vez mais, era o espelho do catastrofismo da década, com a sombra permanente de uma eventual guerra nuclear. Falava-se de objectos fractais, etc. Finalmente os neo-heideggerianos, com Vatimmo à frente. Mas Heidegger era uma praga até a denuncia do seu nazismo essencial documentado por um espanhol (Victor Faria? Ou seria latino-americano?).
A segunda parte da década, orientou-se inicialmente por Habermas (a partir de 85) e a sua teoria de que se tinha que completar a modernidade - um projecto filosófico e social inacabado. Baudrillard, como teórico da sedução, do triunfo dos simulacros e do desaparecimento da arte fez furor, como justificador do «simulacionismo» e outros derivados. Os neo-benjaminianos amercericanos, sobretudo o grupo October (uma salada filosófica com ingredientes franceses), adoraram-no, e foram extremamente influentes nas artes. Deleuze publica entretanto um livro sobre Leibnitz que põe o barroco na moda. As teorias do caos estão na ordem do dia.
Os anos 90 iriam bater à porta com o regresso aos situacionistas - em versão de «radicalismo» de consumo. As questões deslocar-se-iam para as teorias do corpo e do consumismo de uma forma desesperada. O futuro post-moderno não teve futuro senão como drama dos excessos do consumo tecnológico.

Monday, March 12, 2007

obras emblemáticas

As torres das Amoreiras do Taveira foram o emblema de uma classe emergente nos 80. Havia nelas algo de escandaloso e de frívolo, adjectivos que agradarão certamente ao arquitecto. São a expressão plástica do primeiro «cavaquismo» (Sisa será a do segundo), onde circulavam correctores endinheirados que seriam traídos pelo crash da bolsa de 1987. As amoreiras são o clichê do post-moderno, para o bem e para o mal e para além deles.

A obra mais sintomática das «artes» dos anos 80 foi a «decoração» feita pelo Pedro Cabrita Reis no bar Frágil - uma «gruta» texturada onde, se a memória não me falha, dominavam tons negros e dourados - decoração desaparecida e substituída por outras, mas de muito menor impacto mediático. É uma obra de 85, na altura em que os «mitos» e a influência de Kiefer se faziam sentir no trabalho de Cabrita. Este cenário que deve ter influênciado milhares de conversas, seduções, etc. Fazem nas longas noites da minha geração.

O cinema e a literatura foram dominados por séniores, como o Manuel de Oliveira nos seus mais longos e lentos filmes, e os romances do Saramago, sobretudo o Memorial do Convento.

julião, casqueiro, cabrita


Antes de entrarmos dentro da algo clandestina sindrome homeostética, não posso deixar de registar os protagonistas mais significativos, ao qual estiveram associados grupos, com ou sem estratégias de «visibilidade», como gostava de escrever e dizer o Alexandre Melo. O Julião Sarmento, o mais consciente e informado de todos os artistas desses anos , que conspirava com o Leonel Moura e o Cerveira Pinto a partir de um plataforma institucional (a Secretaria de Estado da Cultura, com a simpática e activaq cumplicidade do Fernando Calhau). Eram jovens artistas dos anos 70, mas que estavam relativamente ao mercado de arte numa posição de outsiders - eram radicalmente internacionalistas e possuiam alguns links internacionais que levaram o Julião a participar logo no ínicio da década na Documenta. O Pedro Casqueiro é a figura mais evidente de uma new generation (Ana Vidigal, Madalena Coelho, Jaime Lebre, Alda Nobre, etc.) - super discreto mas exercendo uma tremenda influência num grande número de artistas que nunca procuraram chegar a onde quer que seja através de estratégias politicas ou promicionais de iniciativa própria. Praticavam uma arte «neo-popista», criando através de uma prática «formal» espaços «abstractos» extravagantes onde a sexualidade, sobretudo homossexual, tem um papel predominante. São os mais «modernos» nos hábitos e actividade social. Finalmente o Pedro Cabrita Reis e alguns dos seus amigos procuram preencher o vazio geracional (Pedro Calapez, Rui Sanches, Zé Pedro Croft, Ana Léon, Rosa Carvalho) . Ao contrário do «grupo» do Casqueiro que é «lírico» formalmente, ou do Julião que é mais «conceptual», este é um grupo em que há um lirismo de fundo (poético?) com uma propensão algo paisagistica (excepto em Rui Sanches) ou objectual.

uma «vergonha» difícil


Na recente exposição em Serralves, «os anos 80, uma topologia», ensaia-se uma tímida (demasiado tímida) recuperação da vivência incontornável dos anos 80 numa perspectiva «percursora» de muitas coisas dos anos 90. Os anos anteriores são sempre percursores dos seguintes, mesmo que estes se mostrem retóricamente antagónicos. A minha experiência desses anos, mesmo dentro de uma perspectiva topológica de cumplicidade entre cidadãos-artistas que estão próximos, é a de que o que se passou em Lisboa ( e em boa parte em Portugal) é a de um desfasamento quer relativamente ao seu espaço, quer às moderadas utopias (o progresso, os velhos milenarismos-saudosismos e o seu oposto dialético, o «internacionalismo up-to-date»). Em Portugal há uma tradição do não-assumir, do fugir com o rabo à seringa, da irresponsabilidade (sobretudo masculina! - vêr os ensaios da Maria Belo) e outras variantes. Neste aspecto o comportamento «tuga» é semelhante ao de Sócrates que nunca está onde se espera - da atopia socrática a uma atopologia antropológica temos o desenho de uma longa tradição cultural que oscila entre o «escarnho e mal-dizer» e um lirismo com um frequente apelo à mamã natureza - das cantigas de amigo medievais à Cidade e as Serras do açucaradamente satírico Eça. É a moleza e a doçura que geram a hamartia, o peso do que fica por resolver. Não há tragédia porque não há desfecho, só o «mal» que se acumula como um clima pesado. A minha experiência e a dos Homeostéticos foi de tentar resolver e contrariar este estado de coisas através de uma prática igualmente atópica criando atopologias irrisórias, transformando os estigmas em algo pitoresco. Devemos falar também de grandes transformações sociais - o 25 de Abril como «revolução» inacabada e espectrante promessa, as telenovelas como motor de desinibição e de transformação de costumes, a integração «crísica» na comunidade europeia e a posterior transformação dos portugueses nuns arrongante e pobres «novos-ricos» sob a direcção do homem-do-leme, Cavaco Silva, e também a trágica passagem de um país agrícola num agregado de suburbios e de eucaliptais a pretexto do «petróleo verde». É impressionante como é que tudo isto passou ao lado dos outros artistas. A questão de Timor foi durante esses anos um tabú sintomático. Por outro lado, os artistas pintavam a sabú.