Monday, March 12, 2007

uma «vergonha» difícil


Na recente exposição em Serralves, «os anos 80, uma topologia», ensaia-se uma tímida (demasiado tímida) recuperação da vivência incontornável dos anos 80 numa perspectiva «percursora» de muitas coisas dos anos 90. Os anos anteriores são sempre percursores dos seguintes, mesmo que estes se mostrem retóricamente antagónicos. A minha experiência desses anos, mesmo dentro de uma perspectiva topológica de cumplicidade entre cidadãos-artistas que estão próximos, é a de que o que se passou em Lisboa ( e em boa parte em Portugal) é a de um desfasamento quer relativamente ao seu espaço, quer às moderadas utopias (o progresso, os velhos milenarismos-saudosismos e o seu oposto dialético, o «internacionalismo up-to-date»). Em Portugal há uma tradição do não-assumir, do fugir com o rabo à seringa, da irresponsabilidade (sobretudo masculina! - vêr os ensaios da Maria Belo) e outras variantes. Neste aspecto o comportamento «tuga» é semelhante ao de Sócrates que nunca está onde se espera - da atopia socrática a uma atopologia antropológica temos o desenho de uma longa tradição cultural que oscila entre o «escarnho e mal-dizer» e um lirismo com um frequente apelo à mamã natureza - das cantigas de amigo medievais à Cidade e as Serras do açucaradamente satírico Eça. É a moleza e a doçura que geram a hamartia, o peso do que fica por resolver. Não há tragédia porque não há desfecho, só o «mal» que se acumula como um clima pesado. A minha experiência e a dos Homeostéticos foi de tentar resolver e contrariar este estado de coisas através de uma prática igualmente atópica criando atopologias irrisórias, transformando os estigmas em algo pitoresco. Devemos falar também de grandes transformações sociais - o 25 de Abril como «revolução» inacabada e espectrante promessa, as telenovelas como motor de desinibição e de transformação de costumes, a integração «crísica» na comunidade europeia e a posterior transformação dos portugueses nuns arrongante e pobres «novos-ricos» sob a direcção do homem-do-leme, Cavaco Silva, e também a trágica passagem de um país agrícola num agregado de suburbios e de eucaliptais a pretexto do «petróleo verde». É impressionante como é que tudo isto passou ao lado dos outros artistas. A questão de Timor foi durante esses anos um tabú sintomático. Por outro lado, os artistas pintavam a sabú.

No comments: